Dezembro/2016 – Emprego Doméstico

Introdução

Dezembro… época de comemorações.
O tema de conscientização do mês de Dezembro/2016 no Projeto ConheSeremos é o Emprego Doméstico. A pessoa que está por trás da preparação de muitas ceias de natal, para uma família que não é a dela.

Eu já tive empregada doméstica morando em casa quando criança, já contratei diarista para limpar meu apartamento e utilizamos na empresa em que trabalho um serviço de limpeza terceirizado. Três realidades diferentes que em um emaranhado de leis complicadas ainda não possuem um direito que vai além de um fundo de garantia: o direito de ser respeitado.

Quais são as leis atuais que regem o trabalho doméstico? Existem mudanças necessárias?
Quanto dinheiro vale abandonar sua própria casa para limpar a dos outros?
Empregada doméstica no feminino? Onde estão os empregados domésticos?

“Na verdade, para as trabalhadoras domésticas brasileiras, a senzala só mudou de lugar. Hoje ela está nos quartinhos 2mx2m, seja nos apartamentos ou nas mansões dos patrões, que maltratam as trabalhadoras de diversas maneiras”
– Lucileide Mafra

Leituras

Minha mãe, uma doméstica
Texto de Ohanna Patiele
Ter uma empregada doméstica em casa é um luxo sim!
Clique aqui para ler!

Exclusão no espaço doméstico
Texto de Stephanie Ribeiro
A busca por uma cidade mais democrática racial e socialmente precisa passar primeiro por uma readequação dos espaços residenciais.
Clique aqui para entender!

PEC das Domésticas
Portal Brasil
Um ano depois, trabalhadores contabilizam avanços da PEC das Domésticas
Leia o conteúdo!

A vida de uma babá no clube mais seleto do Rio de Janeiro
El País
Normas do exclusivo Country Clube proíbem as empregadas de usarem os banheiros dos sócios
Babá conta seu dia a dia entre a elite carioca
Leia o conteúdo!

Vídeos

Projetos

Eu Empregada Doméstica
Nossa voz ecoa!

Acesso ao projeto

A minha empregada
Contém ironia e tristeza na batalha contra a imbecilidade e o preconceito

Acesso ao projeto

Relatos pessoais

Sobre os ‘Doutores’ nas universidades:
(relato recolhido pelo projeto #euempregadadoméstica)

Morei com a minha avó que era doméstica desde pequena, ela sempre me contou história horríveis muito parecidas com vários relatos já portados aqui, negarem comida, dormir em quartinhos horríveis, dentre as humilhações que passava.

Todavia resolvi fazer um relato sobre o que presenciei sendo estagiária na UFSCar, num espaço onde sempre achei que não veria abusos ocorrendo tão absurdamente, mas ocorrem, as pessoas de empresas terceirizadas são tratadas por alguns “Doutores” como se fosse talvez suas empregadas particulares, pessoas que são pagas para ficar na portaria ou fazer a limpeza do local. Dentro do meu departamento ficava eu e 2 mulheres que trabalhavam para essas empresas terceirizadas, uma estava ali para ficar na portaria e a outra na limpeza, que não podiam usufruir de nenhum alimento que tivesse na cozinha, por exemplo café e bolacha daquele bem baratos mesmo, nem podiam consumir o que levassem, ou até a maquina de café mesmo que está tivessem o levado o pó, na minha sala era onde se trancavam os alimentos os copos descartáveis, o “doutor” que era meu supervisor deixou claro que era para eu dizer que não tinha nada, mas que quando um profº lá aparecesse era para “mandar” as funcionarias fazerem e servirem o cafezinho e as bolachinhas, ou quando o mesmo estivessem a fim de ficar lá e preferia ser servido, nenhum desses alimentos foram comprados com o dinheiro desse “doutor” como gostava de ser chamado, mas sim era fornecidos pela universidade para o consumo de funcionários. Trabalhávamos ali naquele clima, são como da família, mas o abuso era claro, tanto dos alunos como dos profºs funcionários.

Ceia de Natal:
(relato recolhido pelo projeto #euempregadadoméstica)

Minha vó já foi empregada doméstica, contei pra ela sobre a página e resolvi perguntar sobre como era na época. Ela me contou que uma certa vez no final do ano, antes da festa de Natal, foi na casa da patroa ajudar ela com as malas pois ela iria viajar, e também pra receber o salário. Ela pretendia usar o salário daquele mês pra fazer uma ceia, comprar roupa e um brinquedo pra minha mãe e minha tia, Quando ela chegou na casa, arrumou as malas e fez tudo o que a patroa pediu e perguntou se ela não ia dar o pagamento porque ela precisava muito do dinheiro, então a patroa se fez de desentendida e disse “ué, o Fulano(marido dela) não te pagou?” E minha vó disse que quem sempre fazia o pagamento era ela e não tinha motivo pra ser diferente aquele mês. Então ela disse que só poderia pagar quando voltasse de viagem, depois das festas. Minha vó disse que passou aquele Natal muito triste e que um amigo dela, que infelizmente já faleceu, quem a ajudou naquele fim de ano, comprou presentes pra minha tia e minha mãe e tornou o Natal das duas melhor do que seria!

Corporativo:
(relato recolhido pelo projeto #euempregadadoméstica)

Não sou empregada doméstica, mas presenciava uns absurdos que ocorriam no meu local de trabalho, que era uma empresa de manutenção e conservação de máquinas de tração.
Isso ocorreu entre os anos de 2004 e 2007, quando trabalhei por lá.
Os donos da empresa não queriam contratar CLT uma pessoa para realizar a limpeza do local, então, semanalmente, vinha uma mulher fazer a faxina.
O local era um sobrado grande, com garagem, quintal, duas salas grandes, escada, três banheiros e ainda duas salas no andar de cima. Nos fundos havia uma edícula, também com térreo e 1º andar.
A moça tinha hora para chegar (08h00) e não podia sair antes das 17h00. Eles não pagavam sequer seu almoço, ela tinha que levar marmita ou custear do próprio bolso o almoço nos restaurantes da região.
Na época, eles pagavam R$ 40,00!! mais a condução.
Eu achava um absurdo, um valor irrisório para faxinar tamanho sobrado.
Outro absurdo que presenciava: quando eles não tinham troco para pagar o valor exato para a moça (40,00 + condução), eles davam um valor arredondado mas faziam a moça devolver o troco, sempre alguns centavos, não chegava a R$ 1,00.
Eu ficava com vergonha alheia e constrangida de presenciar tamanha mesquinharia, mas se eu abrisse a minha boca seria demitida.
Quero deixar esse relato aqui porque o que essa moça passou merece ser registrado e não cair no esquecimento, ela passou momentos ruins lá para levar uns trocados pra casa, porque precisava muito do trabalho.

Reflexões

Finalizando o tema de Dezembro/2016 o qual foi dedicado à reflexão sobre a realidade do emprego doméstico no Brasil, deixo abaixo os pensamentos gerados a respeito do tema.
Grande parte destas reflexões foram advindas de três pontos principais: a leitura de relatos de empregadas domésticas, camareiras, faxineiras, diaristas, funcionárias de limpeza de empresas terceirizadas (para empresas, universidades), a conversa com estas mesmas pessoas e a leitura de anúncios que requerem estes serviços.

A leitura de anúncios, na maioria das vezes abusivos (e muito bem compilados pelo projeto #euempregadadomestica) é grande reflexo de que a opressão começa muito antes sequer da contratação. O menosprezo, a desconsideração de direitos básicos e a clara separação entre funcionária e ser humano choca. Anúncios que oferecem R$450,00 mensais para cuidar de 3 crianças, 6 dias por semana até míseros R$300 mensais para trabalhar nos dias de semana meio período. Anúncios que negam a alimentação quando a funcionária trabalha o dia todo, ou explicita que não pode comer da mesma comida que a família. Exigências de horário para dormir, exigências de uso de uniforme para que esteja clara que a pessoa não pertence àquele lugar. O desconto no salário de um quilograma de arroz que por descuido queimou, pois estava limpando a casa.

Os relatos, surpreendem ainda mais e em dois pontos muito fortes me abateram. Em muitos deles, a grande exigência de limpeza de janelas e vidros em apartamentos gerando altíssimo risco de acidente pela altura. É compreensível a necessidade da limpeza, mas existem limites para cada tipo de serviço, principalmente considerando a idade e estado físico das pessoas. O segundo ponto, que por ser intangível parece pouco, mas é de grande impacto, é o grande número de patrões/patroas que negam à funcionária o direito de votar para que fiquem em casa cuidando de seus filhos. Justificam então que pagariam a irrisória multa para a funcionária mas não se dão conta que estão ferindo um direito democrático. No Brasil, a cidadania ainda é um privilégio.

Ainda há muito que mudar em nossas atitudes. Estive viajando pelo México nas últimas semanas me hospedando em um hotel considerado de luxo. Neste hotel, o maior hiato social entre os hóspedes e os funcionários. Tanto que foi muito grande a surpresa, quando tirei 10 minutos do meu dia, para ajudar o Edgar, que estava limpando meu quarto. “Puxa o lençol de um lado que eu te ajudo do outro.”
Que Edgar tenha conseguido terminar seu trabalho a tempo, para descansar, e para estar e cuidar das pessoas que ele ama.

Por fim, mas longe de parar de refletir sobre isto, coloco a importância de envolver a família nos trabalhos domésticos. A educação familiar na manutenção de um lar é de grande valor humano e esta responsabilidade não deve ser delegada para outra pessoa por um mero valor financeiro.

Obrigado pela leitura.

Conversas

Alex Kissilevitc
Fantástico tema meu amigo! Serve para uma reflexão social importantíssima e não apenas de um aspecto mas de vários já bem abordados por você. Estou lendo os textos relevantes e relacionados. Muito obrigado pela sua sensibilidade e visão empática. Fraterno Abraço!